PROCESSO nº 0020192-80.2017.5.04.0111 (RO)
RECORRENTE: ZILDA MARIA PEREIRA
RECORRIDO: VALQUIRIA DE QUADRO BATISTA
RELATOR: ROBERTO ANTONIO CARVALHO ZONTA
EMENTA
DANO EXISTENCIAL. JORNADA EXCESSIVA. A prestação de horas extras sem o correto pagamento comporta reparação patrimonial, não justificando a pretensão de indenização por danos morais na modalidade de dano existencial. Aplicação da Tese Jurídica Prevalente nº 2 do TRT4. Recurso ordinário a que se nega provimento, no tópico.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
ACORDAM os Magistrados integrantes da 9ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade, DAR PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE, para: a) arbitrar que, no período de 01/04/13 a 31/07/15, a reclamante prestava 33 horas mensais em domingos e feriados, as quais devem ser apuradas com adicional de 100%; e b) arbitrar que, no período de 01/08/15 até o final do contrato de trabalho, a reclamante faz jus ao pagamento de 208 horas extras mensais com adicional de 50% e de 48 horas extras mensais com adicional de 100%. Valor da condenação majorado para R$ 15.000,00 (quinze mil reais), com custas de R$ 300,00 (trezentos reais).
Intime-se.
Porto Alegre, 30 de agosto de 2018 (quinta-feira).
RELATÓRIO
Inconformada com a sentença proferida no id. 0acb3ff, a reclamante interpõe recurso ordinário (id. ec81945). Nas razões recursais, requer a reforma do julgado nos seguintes tópicos: jornada de trabalho, trabalho em domingos e feriados e dano existencial.
Sem contrarrazões, o processo é remetido a este Tribunal para julgamento.
É o relatório.
FUNDAMENTAÇÃO
RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE
1. Jornada de trabalho. Domingos e feriados
O juízo de origem observou que a reclamada controlava a jornada de trabalho da autora (trabalhadora doméstica) desde maio de 2013, já que a partir desse mês passou a lhe pagar horas extras. Considerando que não foram apresentados os controles de horário da reclamante, o juízo fixou a sua jornada, com base no "princípio da razoabilidade", nas "razões da inicial" e no "conjunto probatório". Arbitrou, então, que a autora prestava 120 horas extras mensais, a partir de maio de 2013, das quais 20 em domingos e feriados (com adicional de 100%).
A reclamante recorre. Requer a consideração da jornada declinada na petição inicial, de 16 horas, inclusive em sábados, domingos e feriados, destacando que o número de horas extras arbitrado em sentença corresponde a menos de 12 horas diárias de trabalho. Subsidiariamente, requer o deferimento de 160 horas extras mensais. Em relação às horas trabalhadas em domingos e feriados, alega que a ré seria confessa quanto ao trabalho em três domingos por mês. Destaca que durante a vigência do contrato recebia o pagamento de 30 horas extras com adicional de 100%, o que supera o arbitramento efetuado na decisão recorrida.
Analiso.
Inicialmente, destaco que não há insurgência quanto à conclusão de que a reclamada passou a controlar a jornada de trabalho da autora em maio de 2013, mês em que passou a lhe pagar valores a título de "hora extra".
Pois bem, verifico que não foram apresentados os controles de horário da reclamante, presumindo-se verdadeira a jornada de trabalho indicada na exordial, a qual pode, no entanto, ser elidida por prova em sentido contrário (Súmula 338, I, do TST).
Na petição inicial, a reclamante relata que exercia as funções de "doméstica" e de "cuidadora de idoso" (no caso, do sr. Delmar de Quadro, pai da reclamada), acrescentando que, com a morte da mãe da reclamada, em 15/05/15, o senhor Delmar foi morar na sua residência. Em razão disso, afirma que se tornou responsável pelo idoso 24 horas por dia, estimando que trabalhasse, efetivamente, cerca de 16 horas diárias.
Em seu depoimento pessoal, a autora reafirmou a tese de que ficava à disposição da reclamada "24 horas por dia" (id. 2f6cdc2, p. 1). A reclamada, por sua vez, aduziu o seguinte (id. 2f6cdc2, p. 1 - grifei):
Depoimento pessoal da reclamada
: que trabalhavam a reclamante e um filho seu para os reclamados; que tanto a reclamante quanto o filho eram cuidadores, tinham carteira assinada, e dividiam o trabalho; que não havia um horário estabelecido para a reclamante desenvolver suas atividades; que a reclamante trabalhava também em sábados, domingos e feriados; que quando a reclamante eventualmente folgava, o filho da reclamante era quem realizava as atividades; que ao menos em uma vez por mês a reclamante tinha folga de 24 horas; que a reclamante e seu filho se revezam no cuidado dos reclamados pelo período de 24 horas; que mesmo quando o reclamado foi residir com a reclamante, o filho da reclamante continuou trabalhando por um período aproximado de 6 meses; que nunca houve gozo efetivo de férias pela reclamante; que as férias eram vendidas, com o respectivo pagamento; que não conhecia a reclamante antes de esta começar a prestar serviços a seu pai; que a reclamante residia em frente à casa do pai da depoente; que a reclamante acompanhava os filhos em apresentações em CTGs ou de danças folclóricas; que nessas ocasiões, quem cuidava do reclamado era o filho da reclamante; (...)
Já a testemunha Marilza Lucero disse o seguinte (id. 2f6cdc2, pp. 1-2 - grifei):
Depoimento:
que afirma que a reclamante trabalhava 24 horas por dia; que pode afirmar tal fato porque a mãe da depoente reside em frente à casa da reclamante, e que sempre que ia cuidar de sua mãe, em qualquer horário do dia ou da noite, afirma que a reclamante estaria trabalhando; que, questionada pelo Juízo sobre como poderia afirmar tal fato, considerando-se que, em certo horário da noite, parece evidente que as casas estariam fechadas, afirma que, como a depoente cuidava 24 horas de seus pais, acredita que a reclamante também fazia tal trabalho; que confirma a existência de um filho da reclamante que também trabalhava para os reclamados; que conhece a reclamante antes do ano de 2012.
(grifei)
Por sua vez, o testemunho de Giselda da Costa se deu nos seguintes termos (id.2f6cdc2, p. 2):
Depoimento:
que conhece a reclamante dos tempos de sua infância; que posteriormente deixou de ter contato com a reclamante, para somente fazê-lo quando esta passou a trabalhar na residência dos reclamados; que a depoente fazia o corte de cabelo do Sr. Delmar e também da D. Zulma, e em face disso comparecia na residência uma vez por mês ou a cada dois meses; que não tinha horário certo para fazer os atendimentos; que em todas as ocasiões em que compareceu, viu a reclamante trabalhando como cuidadora;
Já a documentação anexa ao processo comprova que Maicon William Pereira Luceiro (filho da reclamante) também trabalhou para a reclamada, no período de 01/04/13 a 31/07/15 (vide recibos de pagamento anexos aos ids. 86aeb93 e seguintes e "aviso prévio" do id. 33e1826). Note-se que tanto Maicon quanto a reclamante recebiam o mesmo salário base, bem como o pagamento de horas extras (em regra, 66 horas extras com adicional de 50% e 33 horas com adicional de 100% - por exemplo, ids. 658a578, p. 5, e 2ff7e60, p. 7). A diferença entre o valor da remuneração da autora e de Maicon se verifica porque a primeira recebia o pagamento de adicional noturno - verba que não era alcançada a Maicon.
Considerando o teor da prova documental, bem como a confirmação de que Maicon também trabalhava para a reclamada (cf. testemunho de Marilza Lucero), não se sustenta a tese de que a autora trabalhava 16 horas por dia (excetuando apenas o período de descanso noturno), no período de abril de 2013 a julho de 2015. De fato, restou demonstrado que a autora e Maicon dividiam os cuidados com o sr. Delmar, mostrando-se razoável o arbitramento efetuado em sentença, no particular, segundo o qual a autora prestava 100 horas extras mensais de segunda-feira a sábado, o que resulta em jornada de aproximadamente 12 horas.
Em relação ao trabalho em domingos e feriados trabalhados no período acima referido, a sentença merece reforma. Como destacado nas razões recursais, a própria reclamada reconhecia, em regra, a prestação de 33 horas extras mensais nessas ocasiões (vide recibos de pagamento anexos ao processo). Não obstante, considerando que havia dois empregados contratados para cuidar do sr. Delmar, no período em questão, não é crível que apenas a autora trabalhasse em domingos e feriados, sendo mais razoável concluir que ambos dividiam a carga horária laboral também nessas ocasiões. Assim, tendo em vista a jornada de trabalho acima admitida (12 horas), bem como o número de domingos e feriados anuais (respectivamente, 52 e 10, sendo que a reclamante trabalhava em metade desses dias), chega-se à conclusão de que a autora laborava, efetivamente, por cerca de 33 horas mensais em domingos e feriados, como reconhecido, em regra, ao longo do seu contrato de trabalho (12x52:2 + 12x10:2 = 312 + 60 = 372 horas extras anuais).
Em relação ao período anterior a abril de 2013, mantenho integralmente o arbitramento efetuado em sentença (120 horas extras mensais, sendo 20 com adicional de 100% e as demais com adicional de 50%). Saliento que a tese da exordial, quanto à jornada de 16 horas, é dirigida especialmente ao período posterior a maio de 2015, quando o sr. Delmar foi morar com a reclamante, em razão do falecimento da sua esposa. Assim, por não haver sequer menção específica na exordial à realidade laboral relativa ao período em exame e por ser razoável o arbitramento efetuado pelo juízo de origem, mantenho-o.
Por fim, em relação ao período posterior a agosto de 2015, entendo que a sentença comporta reforma. De fato, a partir de então, a autora passou a cuidar, sozinha, do sr. Delmar, pessoa idosa e senil (como mencionado no "termo de consentimento" anexo ao id. 6287123), que passou a residir na sua casa. É certo, portanto, que a carga horária da reclamante foi majorada, já que a obreira passou a ficar à disposição do idoso de forma ininterrupta, sem contar com o auxílio de outro empregado que pudesse revezar os turnos de trabalho ou permitir o gozo de folgas.
Nesse contexto, arbitro que, de 01/08/15 até o final do contrato de trabalho, a reclamante trabalhou em jornada de 16 horas, como afirmado na exordial, de segunda-feira a sábado, inclusive feriados, e em três domingos por mês. Para harmonizar a condenação com os termos da sentença, esclareço que, diante da jornada ora fixada, a autora faz jus ao pagamento de 208 horas extras mensais com adicional de 50% e de 48 horas extras mensais com adicional de 100%.
Em suma, dou parcial provimento ao recurso ordinário, para a) arbitrar que, no período de 01/04/13 a 31/07/15, a reclamante prestava 33 horas mensais em domingos e feriados, as quais devem ser apuradas com adicional de 100%; e b) arbitrar que, no período de 01/08/15 até o final do contrato de trabalho, a reclamante faz jus ao pagamento de 208 horas extras mensais com adicional de 50% e de 48 horas extras mensais com adicional de 100%. Mantém-se a sentença quanto aos reflexos deferidos e à autorização de dedução dos valores pagos sob o mesmo título.
2. Dano existencial
O juízo de origem julgou improcedente o pedido de pagamento de indenização por dano existencial, sob o fundamento de que não teria ficado demonstrado o comprometimento significativo da capacidade de fruir da sua própria vida, embora reconheça a existência de prova de realização habitual de horas extras.
Recorre a reclamante. Sustenta que são presumíveis os danos sofridos na sua vida social em razão da jornada excessiva de trabalho. Argumenta que haveria prova dos prejuízos sofridos na sua esfera pessoal em razão das condições do contrato de trabalho.
Analiso.
O dano existencial é espécie de dano imaterial, que se caracteriza quando o(a) empregado(a)sofre limitações (danos) na sua vida fora do ambiente de trabalho, em razão de práticas ilícitas do empregador. Traduz-se em verdadeiro prejuízo à existência da pessoa empregada.
No caso em exame, embora a jornada de trabalho da autora fosse extensa, não há prova de que a sua vida pessoal ou a sua dignidade tenham sido afetadas a ponto de caracterizar dano existencial. Saliento que as considerações da testemunha Giselda da Costa sobre a ausência de comparecimento da autora ao CTG, nos últimos anos, não se mostram consistentes, nem bastam para provar o direito pleiteado. Note-se que a testemunha alegou, num primeiro momento, que "tanto a depoente quanto a reclamante frequentavam o CTG", afirmando, posteriormente, que "não pode afirmar com certeza que a reclamante não comparecia ao CTG porque nem a própria depoente frequentava o CTG" (id. 2f6cdc2p. 2).
De toda sorte, a prestação de horas extras sem o correto pagamento comporta reparação patrimonial, não justificando a pretensão de indenização por danos morais na modalidade de dano existencial.
É nesse sentido o entendimento majoritário deste Regional, indicado na Tese Jurídica Prevalecente nº 2, que adoto:
Tese Jurídica Prevalecente nº 2 - JORNADAS DE TRABALHO EXCESSIVAS. INDENIZAÇÃO POR DANO EXISTENCIAL.
Não configura dano existencial, passível de indenização, por si só, a prática de jornadas de trabalho excessivas.
Diante do exposto, nego provimento ao recurso.
ROBERTO ANTONIO CARVALHO ZONTA
Relator
VOTOS
PARTICIPARAM DO JULGAMENTO:
JUIZ CONVOCADO ROBERTO ANTONIO CARVALHO ZONTA (RELATOR)
DESEMBARGADORA LUCIA EHRENBRINK
DESEMBARGADORA MARIA DA GRAÇA RIBEIRO CENTENO
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