PROCESSO nº 0021001-26.2015.5.04.0019 (RO)
RECORRENTE: VALQUIRIA RODRIGUES DOS SANTOS
RECORRIDO: JACI RODRIGUES FILHO, FERNANDO RODRIGUES ZATT
RELATOR: ANGELA ROSI ALMEIDA CHAPPER
EMENTA
EMPREGADA DOMÉSTICA. JORNADA DE TRABALHO. LC 150/05. EC 72/2013. A partir da entrada em vigor da Lei Complementar 150/2015, passou a ser exigido do empregador o dever de documentação da jornada de trabalho. Em que pese possa haver o pagamento de horas extras ao trabalhador doméstico a partir da Emenda Constitucional 72/2013, insta mencionar que, até a entrada em vigor da LC 150/2015, cabia ao empregado comprovar o trabalho em sobrejornada. No caso, a reclamante não se desincumbiu de seu ônus probatório. Recurso da reclamante a que se nega provimento.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
ACORDAM os Magistrados integrantes da 5ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso da reclamante, para condenar os reclamados ao pagamento de R$ 5.000,00 a título de danos morais, acrescido de juros a contar do ajuizamento da ação e correção monetária a partir da publicação desta decisão. Valor da condenação fixado em R$ 5.000,00. Custas fixadas em R$ 100,00.
Intime-se.
Porto Alegre, 19 de outubro de 2018 (sexta-feira).
RELATÓRIO
A reclamante (VALQUIRIA RODRIGUES DOS SANTOS) interpõe recurso ordinário em relação à sentença prolatada pelo Exmo. Juiz THEMIS PEREIRA DE ABREU, que julgou parcialmente procedente a demanda. Busca a reforma da decisão quanto a jornada de trabalho e assédio sexual.
Sem contrarrazões, sobem os autos a esta Corte e são distribuídos na forma regimental.
Conforme dados do processo, a reclamante exerceu as funções de empregada doméstica em favor da reclamada, no período de 10/02/2014 até 03/11/2014.
É o relatório.
FUNDAMENTAÇÃO
1. RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE
1.1 JORNADA DE TRABALHO
A reclamante sustenta que o reclamado não trouxe nenhuma prova no que concerne à jornada de trabalho. Alega que não pode a defesa, sem apresentar provas, afastar os efeitos da revelia. Aduz que o reclamado Fernando foi o principal beneficiado dos seus serviços. Entende que deverão ser aplicados os efeitos da revelia contra o reclamado Fernando, presumindo-se verdadeiras as alegações de fato formuladas. Refere que o pacto laboral perdurou durante a vigência da Emenda Constitucional nº 72/2013. Requer a reforma da sentença para que seja reconhecida a jornada alegada na inicial.
Deixando o segundo reclamado (FERNANDO RODRIGUES ZATT) de comparecer à audiência, decretou-se a sua revelia e confissão ficta quanto à matéria de fato. Entretanto, ressaltou o juízo que, tratando-se de litisconsórcio passivo e havendo contestação das demais reclamadas, a revelia não opera os efeitos da confissão naquilo que foi contestado e que encontre prova nos autos, por força do inciso I do art. 345 do CPC de 2015. Quanto à jornada de trabalho, julgou que, considerando a condição da reclamante de empregada doméstica e que durante o período contratual não havia amparo legal para o pagamento de horas extras aos trabalhadores domésticos, indeferiu o postulado nos itens "A" a "E" da inicial.
Examino.
A reclamante ingressou com processo trabalhista em desfavor de JACI RODRIGUES FILHO (primeiro reclamado) e FERNANDO RODRIGUES ZATT (segundo reclamado). Alega que laborava das 7h às 23h, sem intervalo para almoço, nem para jantar, de segunda a segunda, tendo somente uma folga por mês. Aduz que, quanto aos domingos, "acordava" por volta das 9h e sua jornada encerrava às 22h. Requer o pagamento das horas extras, a partir da 8ª diária e 44ª semanal, com adicional legal ou normativo, com integrações em repousos, férias com 1\3, feriados, 13ºs salários, aviso prévio e FGTS.
O primeiro reclamado (JACI RODRIGUES FILHO) ofereceu contestação, negando a jornada declinada na inicial. Logo, os efeitos da revelia não são produzidos em relação ao segundo reclamado (FERNANDO RODRIGUES ZATT), nos termos do art. 345, I do CPC:
Art. 345. A revelia não produz o efeito mencionado no art. 344 se:
I - havendo pluralidade de réus, algum deles contestar a ação;
A Lei Complementar nº 150, de 1º de Junho de 2015, conforme disposto no seu art. 45, entrou em vigor na data de sua publicação. Assim dispõe o art. 12 da referida Lei:
"É obrigatório o registro do horário de trabalho do empregado doméstico por qualquer meio manual, mecânico ou eletrônico, desde que idôneo. "
Entendo que, apenas a partir da entrada em vigor da Lei Complementar nº 150/2015, passou a ser exigido do empregador o dever de documentação da jornada de trabalho. Em que pese possa haver o pagamento de horas extras ao trabalhador doméstico a partir da Emenda Constitucional nº 72/2013, insta mencionar que, até a entrada em vigor da LC 150/2015, cabia ao empregado comprovar o trabalho em sobrejornada.
Constato que a autora foi despedida em 03/11/2014, ou seja, antes da entrada em vigor da LC 150/2015. Por conseguinte, tais normas não são aplicáveis ao caso em apreço.
A reclamante, a seu turno, não produziu qualquer prova acerca da jornada de trabalho. Entendo, desta forma, que a autora não se desincumbiu do seu encargo probatório, nos termos do art. 818 da CLT e do art. 373, I, do NCPC.
Diante disso, relativamente à jornada de trabalho, forçoso concluir pela inexistência de labor em sobrejornada. Assim, concluo que a autora laborava em jornadas de 8h diárias e 44h semanais, em horário diurno, observada a concessão dos respectivos intervalos dos arts. 71 e 66 da CLT.
Cito como precedente processo de minha relatoria - TRT da 4ª Região, 3ª Turma, 0020723-82.2015.5.04.0291 RO, em 15/08/2016.
Nego provimento.
1.2 ASSÉDIO SEXUAL
Sustenta a reclamante que suas alegações se referem ao segundo reclamado (Fernando), devendo incidir os efeitos da revelia. Diz que a defesa do primeiro reclamado (Jaci) não pode aproveitar ao segundo. Narra que a conduta do ex-patrão era praticada "altas horas da noite", a pretexto de vigiar seu filho, que era colocado para dormir junto com a empregada, no mesmo quarto e na mesma cama. Acrescenta que o segundo reclamado se oferecia para passar creme de um modo que, segundo ele, somente ele saberia passar. Requer a reforma da sentença.
O magistrado de primeira instância indeferiu o pleito, em vista da ausência de provas.
Examino.
Na inicial, a autora relata que foi assediada pelo segundo reclamado (Fernando), que tentou beijá-la a força, de modo que o empurrou. Alega que ele, na noite em que a instruiu a usar um creme, ficou deitado na poltrona, que ficava no quarto onde ela e a criança por ela cuidada dormiam, permanecendo ali até 1h da manhã, sob o pretexto de que estava preocupado com uma possível reação ao uso do cosmético. Narra que, na ocasião, pediu para ele se retirar.
Em defesa, o primeiro reclamado (Jaci) afirma que não há comprovação de qualquer dano moral cometido por sua pessoa. Nesse caso, entendo que a contestação apresentada pelo primeiro reclamado não aproveita ao segundo, pois aquele apresentou defesa personalíssima.
Logo, com relação ao assédio sexual, em face da pena de confissão decorrente da revelia aplicada ao segundo reclamado, presumem-se verdadeiras as alegações da reclamante, fazendo jus, portanto, a indenização.
Os fundamentos legais para o deferimento de indenização por dano moral, encontram-se no art. 5º, X, da CF, que diz: "São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação", bem como no Código Civil, que em seu art. 186, dispõe: "Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.". Ainda, o art. 927 deste mesmo diploma prevê que: "Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo".
Oportuno registrar que o assédio sexual está tipificado na norma do art. 216-A do Código Penal como crime contra a liberdade sexual, consistente em: "Constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função.". Sob a ótica do Direito do Trabalho, o assédio sexual ocorre com a exposição do trabalhador a situações constrangedoras que violem a sua liberdade sexual, a ponto de desestabilizá-lo moral e fisicamente, em verdadeira agressão à dignidade da pessoa humana.
Entendo, portanto, evidenciada condutas humilhantes e constrangedoras contra a reclamante, praticadas pelo empregador, aproveitando-se dessa condição, para tentar beijar a empregada, no que foi repelído e ter permanecido no quarto da mesma em horário noturno.
É evidente o constrangimento e o sofrimento psicológico por que passou a reclamante, sendo imperativo reconhecer que ela teve sua integridade moral atingida, razão pela qual resultam configurados o ato ilícito, o dano, este in re ipsa, o nexo causal, a ensejar o direito à reparação civil.
Quanto ao montante, penso que os danos morais não podem ser quantificados objetivamente, sendo ilusória, ainda, a pretensão de reparação, em face da impossibilidade de reconstituição do estado anterior. Imperioso considerar, dessa forma, a natureza da indenização, que busca, a um só tempo, compensar o dano sofrido, punir o ato ilícito praticado e prevenir a ocorrência de situação similar no futuro, devendo ser sopesadas, na fixação do valor devido, a extensão do dano causado, a capacidade financeira do agente causador e o caráter punitivo da indenização, que não se presta a dar causa a enriquecimento ilícito.
No caso, ponderando, de um lado, a gravidade dos fatos e, de outro lado, o período contratual (10/02/2014 até 03/11/2014) e o valor da remuneração percebida (R$ 892,66; ID 6a6a28f - Pág. 8), entendo adequado o valor de R$ 5.000,00, o que está em consonância com os patamares hodiernamente utilizados nesta Justiça Especializada para casos similares, de modo, ainda, a melhor atender aos parâmetros antes destacados.
Por decorrência lógica, a condenação ora imposta à reclamada deve ser acrescida de juros, a contar do ajuizamento da ação, nos termos da Súmula nº 54 deste Tribunal e correção monetária a partir da publicação desta decisão, nos termos da Súmula nº 50 também deste Tribunal.
Dou provimento ao recurso para condenar os reclamados ao pagamento de R$ 5.000,00 a título de danos morais, acrescido de juros a contar do ajuizamento da ação e correção monetária a partir da publicação desta decisão.
ANGELA ROSI ALMEIDA CHAPPER
Relator
VOTOS
PARTICIPARAM DO JULGAMENTO:
DESEMBARGADORA ANGELA ROSI ALMEIDA CHAPPER (RELATORA)
DESEMBARGADOR CLÁUDIO ANTÔNIO CASSOU BARBOSA
DESEMBARGADORA KARINA SARAIVA CUNHA
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