PROCESSO nº 0020042-83.2016.5.04.0451 (RO)
RECORRENTE: LUCIANE MOURA DE SOUZA
RECORRIDO: VANDA MARIA ALVES UCHASKY
RELATOR: LUIZ ALBERTO DE VARGAS
EMENTA
RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE. INADIMPLEMENTO DAS VERBAS RESCISÓRIAS. DANO MORAL. Hipótese em que o não recebimento das parcelas rescisórias traz transtornos à vida do empregado, causando angústia e aflição àquele que depende do pagamento do que lhe é devido para subsistência própria e de sua família, sendo devida a indenização por danos morais. Recurso da reclamante provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
ACORDAM os Magistrados integrantes da 8ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade, dar provimento parcial ao recurso da reclamante para: a) reconhecer o vínculo de emprego desde 01/07/2013, condenando-se a reclamada a anotar a CTPS com data de admissão; b) majorar o valor da indenização por dano moral para R$ 3.000,00 (três mil reais). Custas complementares de R$ 50,00, calculadas sobre o valor de R$ 2.500,00, acrescido à condenação, pela reclamada.
Intime-se.
Porto Alegre, 05 de setembro de 2018 (quarta-feira).
RELATÓRIO
Contra a decisão proferida pelo juízo da Vara do Trabalho de São Jerônimo, a reclamante interpõe recurso ordinário.
Manifesta insurgência no que tange ao período da relação empregatícia mantida com a reclamada; valor da indenização por danos morais; honorários advocatícios.
Com contrarrazões, vêm os autos à apreciação deste Tribunal.
É o relatório.
FUNDAMENTAÇÃO
RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE
1. VÍNCULO DE EMPREGO. PERÍODO CONTRATUAL
A reclamante insurge-se contra a sentença, pretendendo que seja reconhecido o vínculo desde julho de 2013. O juízo de origem reconheceu que a relação havida entre a reclamante e a reclamada deu-se sob a égide da Lei 5.859/72, que disciplinava o empregado doméstico, no período de 2 de junho de 2014 a 23 de outubro de 2015.
Examina-se.
Na petição inicial, a reclamante alega ter prestado labor para a reclamada no período de 01/07/2013 à 23/10/2015, na função empregadadoméstica, percebendo salário mensal de R$ 1.800,00 (hum mil e oitocentos reais). Refere ter sido contratada para trabalhar dois dias por semana na residência da reclamada (terças e quintas-feiras) e nos demais dias da semana (segunda, quarta e sextas-feiras) para sua irmã, Sra. Lúcia dos Santos, interditada e da qual a reclamada mantém a tutela como curadora, e que reside em endereço diverso. Postula o reconhecimento do vínculo de emprego no período e na função indicados.
No caso, é incontroverso que a reclamante trabalhou como empregada doméstica para a reclamada e sua irmã, dividindo os trabalhos para uma e outra em dias alternados.
Em seu depoimento pessoal, a reclamante disse: ""Que trabalhou dois anos para a reclamada, não lembrando a data de início e de fim do contrato, mas lembrando que começou a trabalhar em julho; foi contratada como empregada doméstica, lavando, cozinhando e passando, e também monitorando o sobrinho e a irmã da reclamada, ambos com problemas de retardo mental; trabalhava 03 vezes por semana na casa da irmã da reclamada e duas vezes na casa da própria reclamada; trabalhava segunda, quarta e sexta na casa da irmã e terça e quinta na casa da reclamada, das 08:30 às 14h ou 15h, sem intervalo; nesse período de 02 anos somente prestou serviços para a reclamada; sempre recebeu os pagamentos da reclamada, inclusive nos dias em que trabalhava na casa da sua irmã; recebia R$ 400,00 por semana, pagos na sexta-feira, dinheiro que era deixado na casa da irmã; uma vez por mês assinava os recibos referentes aos dias em que trabalhava na casa da irmã da reclamada; anteriormente trabalhava na casa da irmã da reclamada a mãe da depoente e quando ela ficou doente indicou a depoente para a reclamada; nunca recebeu nenhum pagamento do marido da reclamada, mas na última semana em que trabalhou ele disse para a depoente que o dinheiro estaria na casa da irmã da reclamada e que a depoente não precisava mais trabalhar, podendo inclusive só pegar o dinheiro e ir embora; ao que recorda sempre deixou recibos assinados para a reclamada.".
A reclamada, ao depor, alegou:""Que a mãe da reclamante trabalhou para a irmã da depoente, pessoa que é interditada e a depoente é sua curadora; a reclamante trabalhou como diarista para a depoente durante um ano mais ou menos, de uma a três vezes ao mês, recebendo R$ 100,00 por dia, pagos pelo esposo da depoente, pois a depoente trabalhava fora; mais ou menos na mesma época que a reclamante trabalhou na casa da depoente, ela também trabalhou na casa da irmã interditada da depoente, duas vezes por semana, recebendo R$ 80,00 por dia, diretamente da depoente; as vezes a depoente deixava o dinheiro na casa da irmã; na casa da depoente a reclamante deveria trabalhar das 08:30 às 17h, mas nunca observou este horário, mesmo horário que deveria trabalhar na casa da irmã da depoente, mas chegava as 09h ou 09:30 e saia 13:30 ou 14h, sabendo disso por informações da sua irmã, que ligava para avisar que estava sozinha ou de ligações feitas pela depoente para a casa da sua irmã; que em outubro, referido no último recibo juntado aos autos, em razão da reclamante estar nervosa de trabalhar na casa da irmã da depoente, e por reclamações da irmã da depoente sobre objetos quebrados, a depoente dispensou a reclamante e lhe garantiu o pagamento do mês de outubro a pedido da reclamante; geralmente a reclamante quando trabalhava na casa da depoente ia nas terças e quintas e na casa da sua irmã inicialmente segunda e quarta e depois também na sexta, quando comparecia, pois as vezes tinha que levar sua filha ao médico em Porto Alegre; dos pagamentos efetuados por seu marido a reclamante, esta não assinava recibos; continua como curadora de sua irmã e continua prestando contas no processo.".
A questão a ser dirimida e sobre a qual reside a controvérsia das partes limita-se ao período efetivo em que a autora trabalhou como empregada doméstica.
Uma vez admitida a contratação da reclamante, incumbia à reclamada o encargo de comprovar que esta ocorreu em período diverso ao alegado na inicial, sabendo-se que o empregador detém o poder/dever de documentar a relação contratual.
A prova documental se traduz nos recibos anexados ao ID. 1152f77, que informam pagamentos efetuados pela reclamada em favor da reclamante por conta de serviços de faxina e como diarista, no período de junho/2014 até outubro de 2015. Uma vez que é consenso entre as partes o fato de que a autora trabalhava para a reclamada e para sua irmã interditada, sabendo-se a reclamada é curadora de sua irmã, é razoável concluir-se que os pagamentos auferidos pela autora referem-se aos serviços prestados em razão do contrato de trabalho.
O conteúdo da prova oral não traz informações contundentes acerca do período efetivo da prestação laboral.
A reclamada, ao depor, alegou que a reclamante trabalhou como diarista durante um ano mais ou menos e que na mesma época, ela trabalhou na casa de sua irmã interditada. Tais assertivas, assim como as demais alegações feitas pela ré, não comprovam a data efetiva do início do contrato, não sendo suficiente a tal comprovação o recibo datado de junho de 2014.
Cabe ressaltar que, apesar de a reclamante não saber informar, no depoimento pessoal, as datas de início e término dos serviços, isto não autoriza a rejeição da tese da inicial, especialmente porque a relação contratual não foi documentada.
Refira-se, ainda, que a circunstância de que a mãe da reclamante trabalhou para a irmã da reclamada em período anterior à contratação da autora em nada favorece a tese da defesa, à medida que não há prova documental das respectivas contratações. Neste contexto, a ré não se desonerou do ônus da prova que lhe competia, por força dos arts. 818 da CLT e 273 do CPC, no que tange ao período efetivo do contrato de trabalho da reclamante.
Pelo exposto, dá-se provimento ao recurso da reclamante para reconhecer o vínculo de emprego entre as partes desde 01/07/2013, condenando-se a reclamada a anotar a CTPS com data de admissão em 01.07.2013.
2. INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. VALOR ARBITRADO. INADIMPLEMENTO DAS VERBAS RESCISÓRIAS
O juízo de origem condenou a reclamada ao pagamento de indenização por danos morais no valor de R$ 2.000,00, em razão de não ter sido registrado o contrato de trabalho, bem como não adimplidas as verbas rescisórias e impedido o acesso ao benefício do seguro desemprego.
A reclamante recorre, pretendendo a majoração do valor da indenização.
Examina-se.
No caso, não pairam dúvidas quanto ao inadimplemento das verbas rescisórias.
A conduta da reclamada, consubstanciada no inadimplemento das parcelas rescisórias, além de inquestionáveis transtornos à vida do empregado, causa angústia e aflição àquele que depende do pagamento do que lhe é devido para subsistência própria e de sua família, sendo devida a indenização por danos morais. O pagamento da contraprestação mínima pelos trabalhos prestados é direito básico do trabalhador, e o atraso no pagamento gera dano moral.
O dano moral caracteriza-se como toda lesão ocasionada no íntimo da pessoa, de caráter extra patrimonial, e inerente aos valores basilares do ser humano, tendo como corolário a proteção da dignidade da pessoa humana e possuindo estreita relação com os chamados direitos da personalidade. Portanto, o dano moral será indenizável toda vez que a esfera íntima da pessoa for violada causando-lhe sofrimento, nem sempre perceptível, mas passível de compensação pecuniária, mesmo que seja tarefa bastante árdua precificar a dor alheia.
Por outro lado, inexiste critério estabelecido no Ordenamento Jurídico para fixação de indenização reparatória por dano moral. Dessa forma, o quantum deve ser fixado por arbitramento, levando em conta as circunstâncias do caso.
A quantificação da indenização por danos morais deve considerar sempre o caso concreto, ou seja, suas peculiaridades, como as circunstâncias e o bem jurídico ofendido. Também cumpre zelar pela coerência e razoabilidade no arbitramento. O resultado não deve ser insignificante, a estimular o descaso do empregador, nem exagerado, de modo a proporcionar o enriquecimento indevido da vítima.
Desse modo, entende-se por adequado o valor de R$ 3.000,00 (três mil reais), mormente à espécie do dano e o caráter reparatório da indenização.
Pelo acima exposto, dá-se provimento ao recurso da reclamante, para majorar o valor da indenização por dano moral para R$ 3.000,00 (três mil reais).
3. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS
A reclamante busca a reforma da sentença que indeferiu o pagamento de honorários advocatícios, diante da ausência de credencial sindical.
Entendo que as restrições impostas pela Lei nº 5.584/70 encontram óbice no art. 133 da Constituição Federal, que reconhece a imprescindibilidade do advogado, bem como no artigo 5º, inciso XIII, que veda, por atentatório à liberdade de atuação profissional a criação de "reservas de mercado" aos advogados ligados aos sindicatos, e no inciso LV, já que está contido no direito à ampla defesa a possibilidade de escolha pelo litigante de advogado de sua confiança, motivos pelos quais deferiria os honorários assistenciais.
Todavia, a Turma entende que diante do cancelamento da Súmula nº 61 deste Tribunal, por política judiciária, deve-se aplicar o disposto na Súmula nº 219, item I, do TST.
Assim, não existindo nos autos credencial sindical inviável o deferimento de honorários advocatícios.
Nega-se provimento.
a.
LUIZ ALBERTO DE VARGAS
Relator
VOTOS
PARTICIPARAM DO JULGAMENTO:
DESEMBARGADOR LUIZ ALBERTO DE VARGAS (RELATOR)
DESEMBARGADOR GILBERTO SOUZA DOS SANTOS
DESEMBARGADOR MARCOS FAGUNDES SALOMÃO
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