Identificação
PROCESSO nº 0020052-65.2017.5.04.0234 (RO)
RECORRENTE: SONIA CRISTINA SILVEIRA DA SILVA
RECORRIDO: MARIA GISELE NASCIMENTO BORGES
RELATOR: MANUEL CID JARDON
EMENTA
VÍNCULO DE EMPREGO. DIARISTA. A prestação de serviços em apenas dois dias da semana, na condição de diarista, não autoriza o reconhecimento da relação de emprego doméstico, por ausência do requisito da continuidade, previsto no art. 1º da Lei Complementar 150/2015.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos os autos.
ACORDAM os Magistrados integrantes da 1ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região: por unanimidade, DAR PROVIMENTO PARCIAL AO RECURSO DA RECLAMANTE, SONIA CRISTINA SILVEIRA DA SILVA, para absolvê-la do pagamento de honorários (periciais e advocatícios) e do recolhimento de custas.
Intime-se.
Porto Alegre, 26 de setembro de 2018 (quarta-feira).
RELATÓRIO
A reclamante recorre contra a sentença de Id 9b27a86, que julgou os pedidos improcedentes. Pretende a reforma do julgado em relação aos seguintes aspectos (Id 41f9faa): 1) irretroatividade da Lei 13.467/2017 e aplicação da lei no tempo; 2) reconhecimento do vínculo de emprego - verbas rescisórias e multas; 3) sobrejornadas trabalhadas; 4) repousos semanais remunerados e feriados; 5) intervalo intrajornada; 6) vale transporte; 7) descontos indevidos; 8) fundo de garantia por tempo de serviço; 9) honorários advocatícios; 10) impossibilidade de condenação aos honorários periciais, sucumbenciais e custas processuais - Lei 13.467/2017.
Com contrarrazões da reclamada (id 29712f6), os autos são encaminhados a este Tribunal para julgamento.
É o relatório.
FUNDAMENTAÇÃO
RECURSO ORDINÁRIO DA RECLAMANTE
1. APLICAÇÃO DA LEI 13.467/2017
A sentença considerou a reforma trabalhista (Lei nº 13.467/2017) parcialmente incidente ao presente feito. Entendeu que especificamente em relação às regras de direito material, o contrato da reclamante é regido pela lei vigente ao tempo da prestação de serviços. No entanto, considerou imediatamente aplicáveis as normas de direito processual previstas na Lei nº 13.467/17, nos termos da norma prevista noa artigo 14 do CPC.
A reclamante recorre. Sustenta que a Lei nº. 13.467/17 (intitulada como Lei da reforma trabalhista), recentemente sancionada, não possui eficácia para suprimir e/ou retirar direitos dos trabalhadores. Refere que a lei reformista estabeleceu que sua vigência ocorreria após cento e vinte dias da publicação oficial, mas não previu regras comuns de direito intertemporal, socorrendo-se o intérprete dos comandos expostos no CPC, a fim de visar a segurança jurídica. Diz que a lacuna deixada pelo legislador reflete o caráter nefasto da reforma, ou, ao menos, a sua ineficiência técnica. Afirma que quando se fala em proteção ao ato jurídico perfeito e ao direito adquirido é aplicável a toda a extensão do contrato de trabalho o regramento válido no momento em que ajustadas as condições contratuais, salvo novação favorável ao trabalhador, conforme art. 7º, caput, VI, da Constituição e artigos 444 e 468 da CLT. Invoca a observância da segurança jurídica e do direito adquirido, nos termos do artigo 5º, XXXVI, da CF e do princípio da irretroatividade da norma nova, conforme artigo 6º da LINDB. Menciona o artigo 919 da CLT como norte interpretativo neste momento de insegurança jurídica, pois indica a intenção originária da CLT de proteger o trabalhador de toda e qualquer modificação lesiva aos seus direitos. Destaca que a iterativa jurisprudência do TST entende que a modificação legislativa restritiva não pode alcançar contratos iniciados em período pretérito à vigência da nova norma. Alega que a partir desse entendimento houve a edição da súmula 191, III, do TST, que resguarda o direito adquirido do trabalhador contratado no momento em que a lei lhe era mais favorável. Aduz a aplicação do princípio da norma mais favorável ao trabalhador, a fim de evitar o retrocesso social àqueles que já tiveram garantidas condições contratuais mais benéficas. Assevera que tendo sido contratada em data anterior à nova lei, não pode sofrer mudanças em seu liame laboral que venham a desconstituir o direito adquirido resguardado constitucionalmente, sob pena de insegurança jurídica. Requer seja declarada a irretroatividade da Lei nº. 13.467/2017 ao contrato de trabalho firmado entre as partes, salvo em casos de condição mais benéfica ao empregado.
Examina-se.
De início, verifica-se que em relação às normas que regulam o direito material e, portanto, a relação de trabalho propriamente dita, a própria sentença afastou a incidência das normas previstas na Lei 13.467/2017. Portanto, quanto ao aspecto, irrelevante tecer maiores digressões a respeito do ato jurídico perfeito, direito adquirido e aplicação das normas mais benéficas ao trabalhador. Acresça-se que a presente ação trata de pedido de reconhecimento de vínculo de emprego doméstico, de modo que as regras aplicáveis à relação são as previstas na Lei Complementar 150/2015.
Quanto à aplicação das normas processuais previstas na Lei 13.467/2017, a matéria será analisada no tópico que trata da condenação da reclamante ao pagamento de honorários, periciais, sucumbenciais e custas processuais.
Nega-se provimento.
2. VÍNCULO DE EMPREGO. EMPREGADA DOMÉSTICA
A sentença considerou não estarem presentes todos os requisitos necessários ao reconhecimento da relação de emprego, razão pela qual julgou improcedente o pedido de reconhecimento do vínculo empregatício. Em decorrência, julgou improcedentes os demais pedidos formulados na petição inicial.
A reclamante não se conforma. Sustenta ter trabalhado para a reclamada no período de 01.08.2016 a 03.10.2016 como doméstica e sem assinatura da CTPS. Refere que prestava serviços para a reclamada mais de três vezes por semana, de forma contínua, sem interrupção. Destaca que foram preenchidos todos os requisitos caracterizadores da relação de emprego, nos termos dos artigos 2º e 3º da CLT e art. 1º da Lei Complementar 150/2015. Afirma que ao reconhecer a prestação de serviço, mas não na forma de vínculo de emprego, a reclamada atraiu para si o ônus de provar que a relação era de faxina, e não de emprego. Diz que a reclamada se confundiu e não soube informar as datas em que a recorrente prestava seus serviços. Ressalta que nas conversas do aplicativo whatsapp que anexou aos Ids b373ead, 77eea30 e 384bdbf fica claro que a marcação de encontros entre as partes ocorreu quando a recorrente já não trabalhava mais para a reclamada. Aduz que desde o início da relação de trabalho laborou habitualmente de segunda a sábado. Invoca a aplicação do princípio da primazia da realidade, pois no caso os fatos demonstram a prestação de serviços em favor da reclamada de forma contínua, com onerosidade, pessoalidade, subordinação e no âmbito doméstico. Menciona que em depoimento pessoal a reclamada expôs que tinha vontade de regularizar a reclamante como empregada e registrar vínculo. Requer o reconhecimento do vínculo de emprego, com a condenação da reclamada ao pagamento das verbas rescisórias decorrentes e multas dos artigos 467 e 477, § 8° da CLT.
Examina-se.
Trata-se de ação em que a reclamante alega ter trabalhado para a reclamada no período de 01/08/2016 a 03/10/2016 como empregadadoméstica, prestando serviços na residência da reclamada.
A reclamada alega em contestação que a a reclamante trabalhou na condição de diarista apenas dois dias por semana. Diz que o pagamento à reclamante ocorria de forma quinzenal. Destaca que possui empregada fixa que trabalha a semana toda, que, inclusive, foi quem indicou a reclamante para laborar como diarista em sua residência.
A reclamada desincumbiu-se do ônus de comprovar a prestação de serviços por parte da reclamante em apenas dois dias da semana. Não ficou caracterizado o requisito da continuidade necessário ao reconhecimento da relação de emprego doméstico, na forma do que estabelece o artigo 1º da Lei Complementar 150/2015: por mais de 2 (dois) dias por semana. Assim relatou a testemunha ouvida a convite da reclamada (Id a82faa0 - Pág. 2):
"que a depoente indicou a reclamante para a reclamada; que a reclamante trabalhava em outro serviço em Porto Alegre e estava ganhando pouco; que indicou a reclamante, até porque elas já se conheciam de uma casa de religião que frequentavam; que a reclamada estava precisando porque tem duas crianças pequenas; que a reclamante ficava na tarefa da cozinha e a depoente com as crianças; que a reclamante não ia todos os dias da semana, porque trabalhava em outro serviço em Porto Alegre, numa casa de família; que ela ia na casa da reclamada umas duas vezes na semana; que a reclamante até tinha dias fixos para ir na casa da reclamada, mas às vezes ela trocava, então não sabe precisar os dias certos; que a reclamante acertava com a reclamada os dias que iria; que outros dias ela ia embora mais cedo; que acha que a reclamante ficou uns dois meses; que a reclamante não foi mais por causa de umas fofocas que houve;"
Além disso, as mensagens de de whastapp anexadas pela reclamante não evidenciam continuidade na prestação de serviços, mas apenas combinações para comparecimentos e pagamentos. E o fato de a reclamada ter tido vontade de contratar a reclamante como empregada não indica que essa foi a situação de fato ocorrida na relação estabelecida.
Nesse cenário, conclui-se que não está presente o requisito da continuidade, característica do vínculo do empregado doméstico, haja vista que foi demonstrada a prestação do labor em periodicidade de no máximo duas vezes por semana.
Nesse sentido é o posicionamento desta Turma julgadora:
VINCULO DE EMPREGO. DIARISTA.
Demonstrada a prestação de serviços em dois dias por semana, na atividade de diarista, não resta caracterizada a continuidade na prestação de serviços a autorizar o reconhecimento do vínculo jurídico de emprego na função de Empregada Doméstica. Inteligência do art. 1º da Lei 5.859/72. Sentença de improcedência mantida. (TRT da 4ª Região, 1ª Turma, 0020081-67.2015.5.04.0305 RO, em 24/06/2016, Desembargadora Rosane Serafini Casa Nova)
Em decorrência, fica prejudicada a análise dos demais tópicos do recurso decorrentes do vínculo de emprego não reconhecido.
Nega-se provimento.
3. HONORÁRIOS ASSISTENCIAIS
A reclamante alega que reforma a sentença são devidos honorários advocatícios, no percentual de 20% sob o valor bruto da condenação. Aduz ter anexado aos autos declaração de hipossuficiência econômica, o que é suficiente para a condenação ao pagamento de honorários. Ressalta que o advogado é essencial à administração da Justiça, nos termos do artigo 5º, inciso LXXIV e 133, ambos da Constituição e artigos 2º e 22 do Estatuto da OAB.
Examina-se.
No caso, diante da manutenção da sentença que julgou os pedidos improcedentes, fica prejudicada a análise dos honorários assistenciais.
Nega-se provimento.
4. HONORÁRIOS PERICIAS, ADVOCATÍCIOS E CUSTAS PROCESSUAIS. LEI 13.467/2017
A reclamante destaca que não pode ser condenada ao pagamento de honorários (periciais e/ou sucumbências) e custas processuais, em razão da sua condição de hipossuficiente. Ressalta que deve ser afastada a aplicação da Lei 13.467/2017.
Examina-se.
A sentença condenou a reclamante ao pagamento de honorários sucumbenciais no percentual de 5% sobre o valor da causa, honorários periciais e ao recolhimento de custas.
No caso, entendo que a nova norma prevista no artigo 790-B, "caput" e § 4º, da CLT, que determina às partes, ainda que beneficiárias da justiça gratuita, o adimplemento dos honorários periciais, bem como o artigo 791-A, que estabelece o pagamento de honorários sucumbenciais na Justiça do Trabalho, somente se aplicam aos processos ajuizados após a entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017, em 11/11/2017, o que não é o caso dos autos, pois a presente ação foi ajuizada em 23/01/2017. Portanto, não são devidos os honorários de advogado por sucumbência. Nesse sentido, há precedente deste Tribunal:
HONORÁRIOS DE SUCUMBÊNCIA. INAPLICABILIDADE AOS PROCESSOS EM CURSO.
Em razão da natureza híbrida das normas que regem honorários advocatícios (material e processual), a condenação à verba sucumbencial só poderá ser imposta nos processos iniciados após a entrada em vigor da lei 13.467/2017, tendo em vista a garantia de não surpresa, bem como em razão do princípio da causalidade, uma vez que a expectativa de custos e riscos é aferida no momento da propositura da ação.
Assim, embora o julgamento do qual decorreu a decisão embargada tenha ocorrido após a entrada em vigor da Lei nº 13.467/2017, entendo que a condenação à verba decorrente da sucumbência só poderá ser imposta nos processos iniciados após 11.11.2017." (TRT da 4ª Região, 7ª Turma, 0021492-67.2014.5.04.0019 RO, em 14/12/2017, Desembargadora Denise Pacheco - Relatora)
Além disso, essa também é a orientação estabelecida pelo TST nos artigos 5º e 6º da Instrução Normativa 41/2018.
Por fim, considerando que a sentença concedeu à reclamante o da justiça gratuita, deve a recorrente ser dispensada do recolhimento das custas.
Pelo exposto, dá-se provimento ao recurso da reclamante para absolvê-la do pagamento de honorários (periciais e advocatícios) e do recolhimento de custas.
MANUEL CID JARDON
Relator
VOTOS
PARTICIPARAM DO JULGAMENTO:
DESEMBARGADOR MANUEL CID JARDON (RELATOR)
DESEMBARGADOR FABIANO HOLZ BESERRA
DESEMBARGADORA LAÍS HELENA JAEGER NICOTTI
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